segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Infância

Na vida, nada se esquece
ou se esvazia ou aos poucos se perde.


O herói nasceu
antes da criança.
Socorreu toda a família, aliviou o stress
animou a casa
e encheu o lar de simpatia.
Um sorriso alegre e sapeca
a andar pela sala
com sua moto amarela.
Enquanto a mãe estudava
era mimado por todos
pintado com bolinhas vermelhas
na cara
e enfeitado com faixa na cabeça
que nem um índio valente.
A pequena luz nasceu
diferente.
Não era nenhuma heroína
a menina todos já sabiam
que teria problemas.
O corpo pintado em duas cores
o cabelo puxado do pai
enquanto o desejo de todos
era ser igual a da mãe.
A menina nasceu contrariando
a vontade de todos
com cara emburrada e gordinha.
O herói não ligou para os outros
e brincava sempre com a menina
eles eram a dupla de palhaços:
a gorda e o magro.
Era linda aquela relação,
se um acordava
acordava o outro também.
Dormiam só de mãos dadas,
Eram mão e luva.
O herói levava a menina para escola
e lá não esquecia dela
enquanto na sala era vivia sozinha
no recreio, ele era sua companhia.
A menina aprendeu a sorrir
em tamanha alegria e segurança.
Sabia que nunca estaria sozinha.
Nada foi fácil naquela família.
Os pais não tinham dinheiro
e as crianças viviam quase todo o dia
com os avós.
A menina chorava escondido
no cantinho
de saudades da mãe
e depois ia dormir
querendo preencher seu vazio, com seus sonhos.
sonhava com uma terra
sempre colorida, cheia de mato
e animais
vacas para colher leite
e cavalo para pular cercas.
Tinha rio, tinha piscina, tinha cachoeira.
Tinha jabutica, nespeira e lobo mau também.
Quando ele aparecia, o caseiro da casa pegava sua espingarda
e o lobo ficava bem longe
a olhar.
Ninguém nunca conversou com a menina
o que ele fazia
ela só sabia que pelo mato
tinha um lobo a esperar.
Um dia passeando com sua tia
a menina passou do lado do lobo
ele estava fantasiado
mas a menina e a tia
sentiram que aqueles olhos eram olhos para farejar.
Colocaram um sorriso na cara
e uma desconfiança
nos olhos.
O lobo passou, esperando a menina e a tia virarem a cara
mas elas não viraram
e encararam o lobo até o final da estrada.
Os lobos são covardes
e apesar de ser maiores
só atacam quando estamos com medo.
Neste dia, o herói
não estava.
Como em muitos outros dias, não esteve.
Depois que ele perdeu a alegria
na face, nunca mais foi o mesmo.
Ele acreditava num mundo tranquilo e de paz
mas um monstro um dia apareceu
e o atacou por trás.
A menina viu tudo.
Viu, exatamente, o dia que o seu herói morreu.
Nunca mais os dias foram de paz.
A gorda e o magro desapareceram.
O herói quis ser monstro no mundo fora dos sonhos.
A amizade prevaleceu por um tempo
até que
uma noite
comum de brincadeira
o herói narrou a sua primeira monstruosidade.
Foi aos 7 anos
que a menina começou a
perder
a sua verdadeira inocência.

Tinha acabado sua infância.

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